Autódromo de Monza, arredores de Milão, Itália. 10 de Setembro de 1978. Um lindo dia de céu azul e calor formaram o palco perfeito para o Grande Prémio da Itália de Fórmula 1. Como sempre, os tifosi lotaram o circuito esperando mais um show da Ferrari. O título estava quase decidido em favor de Mario Andretti, um ítalo-americano que já havia pilotado para a Rossa e tinha a simpatia da torcida.
Andretti tinha a Pole Position como era habitual naquela temporada. Ele pilotava o impressionante Lotus 79, um carro que deu um salto de tecnologia na frente dos outros. Com sua formidável aerodinâmica em formato de asa, o carro colava nas curvas como nenhum outro. Ao seu lado estava o inesquecível Gilles Villeneuve, que conseguiu um tempo apenas 3 décimos mais lento graças à força de seu poderoso motor de 12 cilindros.
Entretanto, para o companheiro de Andretti as coisas não estavam tão fáceis. Aos 34 anos, Ronnie Peterson vivia uma situação delicada em sua carreira. O sueco contava com um modelo 79 menos atualizado e teve problemas de equilíbrio nos treinos.
Conseguira apenas o quinto melhor tempo. Para completar, um acidente danificou seu carro no Warm Up impossibilitando o seu arranjo para a corrida. Ronnie teria que largar com um ultrapassado 78 da temporada anterior. Não havia outro carro para ele.
Ainda assim Peterson estava de bom humor pouco antes da corrida. O procedimento de largada foi um dos mais bizarros e confusos da história. Em 1978, não havia um “starter” profissional. Cada país tinha o seu, seguindo suas próprias regras. Problemas já tinham acontecido na Alemanha quando a luz verde foi acionada cedo demais. O mesmo aconteceria em Monza.
As primeiras filas do grid estavam paradas há poucos segundos quando subitamente a luz verde brilhou. Andretti e Villeneuve dispararam como raios e quem vinha mais atrás foi no embalo. A situação ficou caótica justamente no meio do pelotão onde se encontrava Peterson. James Hunt mergulhou do lado esquerdo enquanto que Riccardo Patrese fazia o mesmo do lado direito. A pista se estreitava na aproximação da Variante Retifiglio e a colisão foi inevitável.
O Lotus 78 de Peterson derrapou na reta batendo no guard rail. Com o impacto, os tanques laterais, de alumínio, totalmente cheios, explodiram de imediato e o carro voltou para a pista, no meio dos outros carros. Hunt, não pensou duas vezes: saltou do seu Mclaren e correu em direção a Peterson para salvá-lo. Os outros pilotos fizeram o mesmo. Logo, o campeão de 1976 estava ao lado dos bombeiros no meio das enormes labaredas tentando tirar o sueco do carro.
De uma forma inexplicável, Hunt conseguiu arrastar Peterson para fora do fogo colocando-o na pista até a ambulância aparecer. Também estavam lá, Didier Pironi, Clay Regazzoni e Patrick Depailler. Vittorio Brambila foi atingido na cabeça por um pneu e estava inconsciente. Hans Stuck saltou do seu Shadow e desmaiou atrás do guard rail. Era um cenário de guerra.
Apesar da violência do acidente, Peterson estava calmo e lúcido. As queimaduras eram poucas. O que preocupava era o estado das pernas. Elas estavam estraçalhadas. A ambulância chegou e Ronnie foi levado para o hospital em Niguardia. Quando as portas do veículo se fecharam, a sua temporada estava encerrada e o circo da Fórmula 1 mergulhou no mais completo caos. Nada disso mais importava, no entanto.
Ronnie Peterson tinha outras preocupações. Depois de uma temporada a ser obrigado a atuar como escudeiro para Andretti, agora corria o risco de ficar sem as pernas. Mais do que isso: corria risco de vida. Uma situação bem diferente do que havia imaginado quando começou na Fórmula 1, nove anos antes.
Óleo nas veias (1944-1969)
Nascido na pacata Örebro, Suécia em 14 de fevereiro de 1944, Bengt Ronnie Peterson desde cedo se envolveu com carros e motores. Seu pai era um engenheiro mecânico habilidoso, em diversos tipos de máquinas. Também havia tentado ser piloto na juventude, primeiro com motas e depois com carros em pistas cobertas de gelo. Foi aí que o pequeno Ronnie começou a se interessar por corridas, acompanhando o pai nessas provas.
Era uma família que amava estar envolvida em mecânica e corridas. O pai, Bengt, construía com o amigo Sven “Bergvägg” Andersson os seus próprios carros de competição, muitas vezes com a ajuda de Ronnie e seu irmão, Tommy. Não demorou muito para que Bengt construísse um kart para os filhos. Foi com esses veículos experimentais e caseiros que Peterson desenvolveria a sua apurada técnica de pilotagem que seria uma assinatura.
Desatento na escola, Ronnie só pensava em corridas. Ao contrário dos colegas, detestava futebol e a única matéria que o interessava era história. Até aprender inglês foi uma dificuldade, discutindo com professores sobre essa necessidade.
Com seus karts cada vez mais rápidos e sofisticados, Peterson chegou a ser parado pela polícia quando barbarizava nas pistas e estradas locais. Mas a recompensa viria logo: campeão sueco de kart em diversas classes entre 1963 e 1965.
Com a ajuda de Reine Wisell, conseguiu a licença para entrar na Fórmula 3 em 1966. Os dois, dominaram os campeonatos sueco e europeu nos anos seguintes com Ronnie a ser eleito várias vezes o melhor piloto do ano por revistas especializadas.
Em 1969 Peterson chegou ao ápice dessa fase de sua vida. Correndo em praticamente tudo, desde rali, endurance e monolugares, sagrou-se campeão da Fórmula 3 apesar de sofrer dois graves acidentes na Áustria e na França.
Enquanto se recuperava, conheceu em uma discoteca de Örebro uma pessoa que mudaria sua vida: Barbro Edwardsson. Filha de um vendedor de pinturas, ela estava a caminho de Nova York para trabalhar como modelo. Mas mudou de ideias quando conheceu Ronnie. Os dois se tornaram inseparáveis.
Anos de glória (1970-1974)
O sucesso chamou a atenção de Max Mosley e da promissora equipe March, um empresa nova mas que construía bons carros na F1 e F2. Peterson fez a sua estreia na categoria principal no Grande Prémio de Mónaco de 1970, impressionando logo, ao chegar na sétima posição. O resto do ano, no entanto foi complicado devido à baixa competitividade do seu March 701.
Mas Max Mosley, acreditava nele e colocou-o na equipa oficial para 1971.”Escreva que Ronnie é fantástico. Mas não conte isso a ele!” disse o futuro presidente da FIA a um jornalista. Peterson foi uma das poucas pessoas que conseguiu se dar bem com o dirigente. O ano foi fantástico para o sueco. Depois de chegar na segunda posição em quatro ocasiões também ficou com o vice-campeonato atrás do lendário Jackie Stewart. Nada mal para a primeira temporada completa.
Em 1972 as coisas não foram tão fáceis. A March gostava de fazer experimentalismos e desenvolveu o modelo 721X com caixa transversal, apelidado de “Corcunda de Notre Dame”. O carro era uma bomba mas Peterson preferiu não dizer nada aos chefes ao contrário do seu novo companheiro de equipa, Niki Lauda. O austríaco chutou o balde, chateou-se com Mosley e acabou sendo despedido enquanto Ronnie recebeu uma versão aprimorada do carro antigo para terminar o ano.
Apesar dos problemas, a reputação de Peterson era altíssima. Naquela época, a habilidade técnica era levada mais em consideração que os resultados em si. E isso, Ronnie tinha de sobra. O piloto desenvolvera um estilo de pilotagem único, abusando do drift em todas as curvas. Mas ao contrário dos demais pilotos que apenas faziam isso como correção de um erro, Peterson incorporou as derrapagem na sua toada, sem perdas de tempo no cronómetro.
Assim, diversos espectadores se acumulavam nas curvas mais velozes só para ver Ronnie desafiar a física colocando o carro de lado. Foi assim na primeira visita de Peterson a Interlagos em 1972, com os brasileiros a amontoarem-se nas curvas 1 e 2 do antigo circuito. O piloto fez amizade com Luiz Pereira Bueno que lhe ensinou alguns truques do sinuoso traçado. Em pouco tempo, Peterson já dominava a pista como uma velha conhecida.
Em 1973, Peterson foi chamado por Colin Chapman para pilotar o segundo Lotus. Pela primeira vez na Fórmula 1, Ronnie teria um carro realmente de ponta. A sua missão, em princípio seria somar pontos e ajudar Emerson Fittipaldi no campeonato. Mas logo ficou evidente que seria difícil de se conter. O Lotus 72 era perfeito para o estilo do sueco e logo na segunda prova, em Interlagos já conquistava sua primeira Pole Position na casa do companheiro.
O sucesso de Peterson impulsionou a criação do primeiro Grande Prémio da Suécia, no conhecido circuito de Anderstorp. A pista era como o quintal de casa para Ronnie. A Pole Position foi conquistada com facilidade e uma gloriosa primeira vitória em casa diante de um autódromo lotado estava a caminho. Mas um pneu furado a três voltas do final, frustrou a nação inteira.
Ronnie teria que esperar até a próxima etapa em Paul Ricard na França para estourar o champanhe no lugar mais alto do pódio. Outras três conquistas se seguram em 1973 na Áustria, Itália e Estados Unidos, terminando o ano em alta, ao contrário de Emerson Fittipaldi que contrariado com a divisão nas atenções resolveu ir para a Mclaren. Peterson seria o primeiro piloto em 1974.
Com a aposentadoria de Jackie Stewart e a morte de François Cevert no final do ano anterior, Peterson começou 1974 como franco favorito ao título. Até deram-lhe o número 1 que na ausência do escocês ficou sem dono. Mas essa seria uma temporada equilibradíssima onde qualquer ponto perdido levaria tudo a perder. Foi exactamente isso que aconteceu.
Sete pilotos diferentes venceram corridas naquela temporada. Ronnie ganhou três, no Mónaco, na França e após uma épica batalha com Fittipaldi em Monza. Mas o Lotus 72 não rendia com pneus Goodyear o mesmo que com os antigos Firestone. Além disso, Chapman gastou muito dinheiro e tempo a desenvolver o desastrado modelo 76 de embraiagem dupla. O carro era tão complexo que foi encostado após apenas poucas tentativas. Peterson terminou o ano apenas em quinto. Emerson, na McLaren deu a volta por cima e sagrou-se bicampeão.
O céu parecia o limite para Ronnie Peterson no final de 1974. Pilotando para a melhor equipa, tudo indicava que o sucesso estava garantido. Mas não foi o que aconteceu.
Depois de cinco anos fabulosos na Fórmula 1, a sorte se voltou contra Ronnie Peterson na segunda metade da década de 70. Ainda assim o sueco voador continuou dando demonstrações de pura genialidade até que uma morte prematura o transformou em um mito para sempre.
Tempos difíceis (1975-1977)
Depois da boa temporada de 1974, os ânimos deveriam estar renovados em 1975. Mas não foi o que aconteceu. Chapman consumiu todas as suas reservas no Lotus 76 e o principal patrocinador da equipa, Imperial Tobacco, reduziu a orçamento para a temporada. Não havia verba suficiente para um carro novo, nem mesmo para pagar o salário de Peterson.
A outrora poderosa Lotus de repente havia se transformado em uma equipa média e com o velho modelo 72, ultrapassado em cinco anos, Ronnie não pode fazer muita coisa. Aliás, ninguém pôde. O ano foi um passeio do seu antigo companheiro de equipe, Niki Lauda, que numa reviravolta do destino estava no lugar certo na equipa certa. No caso, a renovada Ferrari agora sob a gestão de Luca di Montezemolo.
As maiores alegrias aconteceram fora das pistas. Em Londres, Inglaterra, Ronnie e Barbro se casaram oficialmente em 20 de Abril de 1975. No dia 4 de Novembro, tornou-se pai com o nascimento de sua filha, Nina. Eles se mudariam para um apartamento em Mónaco cujo vizinho era outra lenda: o tenista sueco Björn Borg.
Mas com a Lotus a situação se deteriorara ainda mais no princípio de 1976. Peterson descobriu que seu chefe de equipa Peter Warr, estava literalmente leiloando seu contrato a quem pagasse mais. Além disso, eles chegaram a negociar com o recém-desempregado James Hunt que “custava” bem menos. Ofendido, Ronnie deixou a equipa logo após o GP do Brasil. Chapman prometera-lhe um novo e revolucionário carro mas o sueco não acreditou e voltou para a March.
O ano não prometia muito agora que Peterson estava de volta à sua pequena primeira equipa. Entretanto, os ingleses fizeram naquela temporada talvez o carro mais competitivo de sua história. Com o March 761 e um apoio semi-oficial, Ronnie brilhou em diversas etapas sempre andando entre os primeiros. Na Áustria liderou a maior parte do tempo até ter problemas com os pneus. Na Holanda, fez a Pole Position após meter 8 décimos em James Hunt.
Mas a consagração viria novamente em Monza. Depois de lutar a corrida inteira com carros mais velozes como o Tyrrell P34 de seis rodas, e com os três Ferrari de Regazzoni, Reutemann e Lauda (que voltava de seu acidente nessa prova), Peterson cruzou a linha de chegada em primeiro. Sua histórica vitória, no entanto, acabou sendo ofuscada pelo esforço heróico de Lauda, que mesmo com ligaduras na cabeça chegou em quarto mantendo vivas suas esperanças de ser bicampeão.
Apesar dos esforços, era difícil para Peterson ver Lauda e Hunt, que sempre foram seus fregueses no passado, se tornarem campeões enquanto amargava em um carro médio. Ele sabia que em condições iguais venceria. Todos sabiam. Ken Tyrrell resolveu ajudá-lo e com o apoio do Citibank, que o trouxe para guiar o seu modelo de seis rodas em 1977.
Mas outra temporada difícil se seguiu. O P34 não era mau mas também não era a revolução que todos imaginavam. A prova era que nenhuma outra equipa havia copiado a ideia. A Goodyear recusou-se a fazer os pneus especiais para as 4 rodas dianteiras como no ano anterior, e o desempenho caiu. Além disso, o chassi era totalmente avesso ao estilo de pilotagem de Peterson. Apenas um pódio na Bélgica foi o melhor resultado no ano atrás do conterrâneo Gunnar Nilsson.
Para piorar as coisas, Nilsson venceu com um Lotus. Chapman fizera o prometido e o novo modelo 78 era rápido e revolucionário, o primeiro carro-asa da história. Com ele, Mario Andretti chegou a disputar o título de 1977 e só não foi campeão porque o carro ainda quebrava demais. Mas o destino daria mais uma reviravolta.
De volta à Lotus (1978)
Sofrendo com constantes dores de cabeça, Gunnar Nilsson foi diagnosticado com cancro no principio de 1978. O sueco precisou de interromper a carreira para fazer o tratamento e Colin Chapman ficou sem um segundo piloto para a temporada. Peterson, que estava sem carro e sem credibilidade foi chamado de volta.
Com o Lotus 78, Ronnie voltaria a viver dias de glória. Entretanto, a situação era muito diferente de cinco anos antes em 1973. Por ter abandonado a equipa, Chapman redigiu um contrato em que Ronnie seria um segundo piloto declarado. O sucesso estava assegurado para Mario Andretti que desenvolveu o projeto. Sem opções melhores, Peterson aceitou.
Ainda assim, o sueco faria em 1978 uma de suas melhores temporadas. Sempre contando com um equipamento inferior ao de Andretti, Peterson andava constantemente na cola do americano, as vezes a ponto de constrangê-lo. Na França, Alemanha e Holanda, Ronnie claramente tirou o pé para não ultrapassar o companheiro de equipa. Em Brands Hatch classificou-se na Pole Position mesmo fazendo o tempo com meio tanque de combustível.
Peterson só tinha hipótese de vencer quando Andretti tinha problemas e isso aconteceu poucas vezes naquele ano. Ainda assim, o sueco conseguiu duas vitórias antológicas. A primeira na África do Sul em Kyalami. Depois de largar apenas em 10º superou um a um até encostar em Patrick Depailler na última volta. O francês atrapalhou-se com um retardatário e Ronnie realizou uma das ultrapassagens mais lindas da história.
A última vitória seria em Zeltweg, na Áustria. Ele largou na Pole Position e comandou a chuvosa corrida praticamente de ponta a ponta, como sempre dando uma aula de pilotagem, enquanto os outros rodavam e saíam da pista como tontos. Andretti? O americano bateu ainda na primeira volta, não conseguindo controlar o carro na curva Tiroch.
Apesar da rivalidade, Andretti e Peterson desenvolveram uma sincera amizade. O italo-americano deu força para que o companheiro assinasse um contrato com a Mclaren em 1979 onde seria o primeiro piloto indiscutível. Seria provavelmente a última chance do sueco ser campeão.
Quando Andretti cruzou a linha de chegada em sexto lugar em Monza, garantindo o título, não houve comemoração. O campeão entrou no seu Rolls Royce e foi diretamente ao hospital com o doutor Sid Watkins. Barbro também estava a caminho assim como o empresário Stefan Swenbi. Mas os enormes engarrafamentos que sempre trancavam as saídas do circuito em dia de GP, atrasaram a chegada de todos. Ronnie já estava na mesa de operações.
Apesar das graves fraturas nas pernas e das queimaduras o quadro clínico só piorou por causa de uma embolia pulmonar. Pequenas partículas de gordura entraram na corrente sanguínea de Ronnie, e comprometeram importantes órgãos internos. Em 1978 a embolia não podia ser contida e o Super Sueco não pôde ser salvo. Hoje em dia, provavelmente as coisas poderiam ter sido bem diferentes.
Apesar de não ter sido campeão mundial, a morte de Ronnie Peterson teve um enorme impacto na comunidade automobilística. Além de muito respeitado, Ronnie era querido por todos, até por seus rivais. Seu estilo de pilotagem, quase artístico até hoje não foi igualado. Peterson conseguia se equilibrar na linha ténue entre a suavidade e a agressividade como nenhum outro. E inspirou legiões de pilotos, desde Ayrton Senna a Kimi Raikkonen.
Fonte : " Motorpassion "
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